sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Oxalá!

Ele olhou pra ela, percebendo exatamente o poder que tinha naquele momento. Foi se inclinando pra ficar exatamente num ângulo que visse a expressão dela, meio confusa, meio hipnotizada.
- Tava lembrando dia desses de quando a gente era pequeno, sabe, que eu costumava derrubar você do balanço, você ficava com tanta raiva de sujar seu cabelo na areia e me olhava de um jeito tão intenso que eu me desmantelava todinho só com aquele seu olhar. - ele riu, imerso em pensamentos.
- Eu lembro que quando eu chegava em casa com o cabelo desarrumado, minha mãe limpava morrendo de rir, dizendo que isso era amor. - ela olhou pra baixo, como se estivesse com vergonha - E eu não compreendia o que ela queria dizer.
Ele olhou pra ela, os olhos semicerrados como se ela tivesse tocado num ponto doloroso.
- Michele...
- Eu sei. - ela suspirou - Nem sempre as mães estão certas, não é? A sua sempre dizia que você ia ser um grande advogado e aqui está você: um famoso escritor, com best-seller e tudo - ela deu um tapinha nas costas dele - As mães se enganam, Pê.
Ele sacudiu a cabeça, como se estivesse voltando à realidade e olhou para ela, que encarava atentamente um pássaro comendo migalhas.
- Mi, eu tô aqui agora.
Ela sorriu, ainda encarando o pássaro
- Aliás, não tem nem como se enganar com algo que nem começou, não é?
- Mi, você tá forçando a barra, não acha? A gente cresceu separado, não tinha como dar certo e se não é pra ser, não pode ser, Mi. Mesmo que a gente se ame, eu fui pra Espanha e você ficou aqui no Rio, curtindo a praia, você tem que entender que a gente era jovem e que nada pode durar pra sempre, pelo menos não por aquele momento, mas agora a gente tá crescido e eu vim aqui, Mi, eu tô aqui...
Ela gargalhou friamente.
- Se supera, Pedro, tô falando da sua carreira como advogado que não começou.
- Ah... - ele soltou o ar - Pensei que você estivesse falando de outra coisa.
Michelle ficou calada enquanto colocava seus óculos escuros para continuar a observar o pássaro que acabara de alçar vôo e passou a mão na areia que a circundava.
Pedro olhava pra ela meio nervoso, meio esperançoso e disse depois de uma longa respiração:
- Outra coisa que eu amava era o nosso silêncio, dizia tanto, né?
- Amava? - ela se virou para ele - não ama mais?
Ele gaguejou algo inaudível e ela continuou:
- Muita coisa mudou, Pedro, e a gente só ficou seis meses distantes. Parece que você estava lá sendo escritor e eu estava aqui... Es... - ela pegou um punhado de areia e deixou escapar liegiramente por entre os dedos sem terminar a palavra.
- Es o quê, Michele?
Ela pensou e falou em um tom um pouco indiferente:
- Estudando, Pedro. Havia uma vida na faculdade antes de tudo. A gente é jovem... - Ela bateu no joelho dele - E a Marina, como foi em Madri?
- Tolerável - ele riu - acho que não gosto mais dela.
- Sério? - ela sorriu
- Sério.
- Fica pra próxima então.
- É sobre isso que eu vim falar, tem outra, ela é daqui do Rio.
- Que bom - ela disse num tom meio seco. - Você tá feliz?
- Você tá?
- Do jeito que você me deixou. Linda, leve e loira. - ela sorriu com o sarcasmo nos lábios enquanto ele murmurou:
- Sério, você tá feliz?
- Oxe, tô! Parece louco, você, às vezes.
- Ah, não é loucura, Mi, é preocupação. Fiquei um tempo me perguntando como a gente sobreviveria longe um do outro no nosso "relacionamento à distância".
- E qual minha nota nesse quesito, senhor?
- Zero, mas a minha também foi. - ele deitou-se na areia e disse calmamente - Deita aqui também, eu tenho uma confissão a fazer.
- Manda! - ela deitou-se com o corpo de lado virada pra ele.
- Foi mal, quer dizer, eu sabia que você gostava de mim antes, que no fundo sempre gostou. Vim me condenando esses anos por não ter te visto antes disso, antes de não poder ter mais você e agora eu estou me condenando por que eu te quero. Talvez seja tarde. Mas isso não seria justo com você porque eu sou um garoto comum e você sempre foi fascinante. Você sempre foi um perigo com suas sardas e sua pele alva, você sempre soube quem eu era e eu amo o fato de não precisar ser ninguém além de mim contigo. E isso, bem, nós, poderia estragar tudo. Eu sempre o faço.
- Eu sei. - ela disse com uns olhos pesados como se carregasse uma cruz. - Eu te conheço.
- Exato, e não entendo como você consegue me amar do mesmo jeito.
A expressão dela era de puro deleite.
- Você está mesmo se desculpando por isso? Soava mais legal na minha cabeça, Pê, você tá arruinando o drama. A gente se conhece tem um tempo, exatamente 15 anos, poupa a sua saliva, eu te perdoei no instante em que você me ligou pedindo pra vir pra cá.
Ele parou e olhou pra cima, apertando os lábios como se buscasse as palavras certas e disse:
- A praia que a gente se conheceu. Custou até percebermos que éramos vizinhos, né? E vinhamos pra cá quase sempre. - nesse instante ele levantou e tirou um caixinha do bolso.
- PEDRO! Você, você tá querendo o quê? Você é um clichê mesmo! - ela riu - Você trouxe um presente pra mim porque me ama. Haha.
Ele arregalou o olho e acenou que sim, entregando a caixa para ela contendo uma pulseira rodeada de pequenos corações e, cada um com uma letra diferente formavam: "Pincesa da praia, me empestou o balde e eu dei meu colação"
- MEU DEEEUS! Foi disso que você me chamou quando a gente se conheceu e eu te emprestei meu balde. Hahaha - ela disse rindo enquanto ele colocava a pulseira no braço dela e depois o abraçou.  - Agora colação forçou um pouco a barra, né, não?
- Te amo, pentelha. - ele a beijou, exatamente no mesmo local onde tudo havia começado.

Um comentário:

Saturno disse...

MORRI.
Infelizmente, tudo que conseguiu sair da minha boca após ler o texto foi um palavrão.
AH, eu amei!
Ameei!

(Só não 'entendi' ela se gabando no final como se já soubesse de tudo HSUAHSUA)